Para aonde vão as borboletas

Eu não sei onde o mês de maio foi parar... Na verdade, eu não sei nem onde meu chão foi parar hoje. Mas eu tenho um palpite... Meu chão, assim como um pedaço do meu coração, foi parar aonde vão todas as folhas que caem no outono, foi parar aonde vão todas as gotas de chuva que a terra bebe, foi parar aonde o sol vai quando nos deixa, foi parar aonde as nuvens dançam, foi para onde voam as borboletas, foi parar aonde esquecemos alguns dos nossos sonhos de criança. Meu chão e meu coração estão juntos em algum lugar entre o cheiro do sorvete de sapoti e a música tema "do Zorro", no meio de um perfume suave e de muito carinho dado no colo. Não há necessidade de precisar esse lugar, assim como não há necessidade de definí-lo. Os pacíficos sabem dos traços que compõem a sua arquitetura e os bons o conhecerão de perto, sendo essa a única certeza que temos. Eu assumo que por muitas horas acreditei apenas em minhas lágrimas. Por muitas horas chorei pela falta de compreensão no "súbito" e pela falta de palavras para explicar tudo que fervia dentro de mim. Eu queria colocar cada pensamento para fora, mas as palavras turbilhavam em meu estômago e tudo era traduzido em lágrimas. 



Eu sei que saí de Brasilia às 10:45 e que fiquei umas 20h dentro de um avião. Eu não sei precisar se levei 20min do aeroporto de Fortaleza direto para o cemitério, ou mais umas 50 horas. Eu não lembro quem me abraçou primeiro. Também não lembro quem me segurou quando me aproximei dela. Mas uma coisa ficou tatuada no meu coração: amor de familia é imensurável. Quando eu cheguei e ganhei abraços, cada um dos meus familiares que estava lá, colocou a sua dor no bolso e foi me amparar. Foi me ajudar a segurar a minha dor que machucava assim como machucam até as dores das coisas que não entendemos. [Pensamentos traduzidos em lágrimas]. Abraços. Palavras de conforto. [Pensamentos traduzidos em mais lágrimas]. Colo. Carinho. Água. Calor. Mais palavras de conforto. [Mais pensamentos traduzidos em lágrimas]. E em mim, a vontade de falar, de gritar e de fazer as coisas diferentes, mas não havia jeito. [Outros pensamentos traduzidos em lágrimas]. Me calei e me achei em mim e nos outros. Não havia motivo para me procurar na vida agora, me procurei, então, só naqueles que a traduziam em sentido completo para mim: em meus familiares e amigos.

Eu devo ter ficado em pé ao lado dela uns muitos minutos. Eu tinha um monte para dizer. Eu só queria agradecer e me desculpar por ter chegado tarde...Mas, poxa, vó, a senhora precisava sair sem nos avisar assim? Partir pela tangente? A senhora estava tão bem... Eu fiquei ao seu lado, pois queria agradecer, viu? Por todas as vezes em que a senhora me acolheu em sua casa, por todos os aniversários que me ligou, por todas as vezes que ficou orgulhosa por alguma-pequena-coisa que fiz, mas que a senhora transformou em algo maior e me fez sentir grande; por todas as vezes que me deixou feliz por eu ser quem sou e por ter cuidado tão bem da família. A senhora será sempre nosso elo e nos manteremos unidos como a senhora nos ensinou. [lágrimas e pensamentos] Vó, se a senhora tivesse visto o quanto (ainda) sentimos a sua partida... saberia o quanto queríamos poder te dar mais um abraço e te ver sentada na sala em sua cadeira de balanço. [lágrimas apenas]. E assim, em pé ao teu lado, eu fiquei com você até o sol se esconder. Eu te disse "segredos" bem baixinhos e te dei um beijo. Fiquei ao teu lado até a senhora encontrar fisicamente quem já nos faz falta. Eu queria ser fortaleza para que a senhora visse em mim a certeza de que tudo terminava bem. Na verdade, vó, não termina, tudo continua(mos)... Você é em nós. 



Dessa maneira, ver a senhora partir com 92 anos, lúcida, cheia de vida e cercada de carinho tem sido o nosso consolo. Nós sabemos que a senhora partiu sem dores e cercada de toda atenção que podíamos oferecer. Sabemos que a senhora foi guerreira e que, de algum modo, estará sempre "olhando por nós". E depois de ter escrito tudo isso, vó, entendo porque a senhora "partiu sem avisar".... Nenhuma lagarta avisa quando vai virar borboleta. Ela simplesmente vira e voa. É mais fácil assim. Afinal, chamar atenção para algo tão bonito pode causar inveja nos que ainda são lagartas. Somos lagartas, vó. As suas lagartas. E continuaremos lagarteando até que chegue a nossa hora de voar. A vida é assim, vó, um grande e encantador mistério colorido. Tem dias que traduzimos nossos pensamentos em lágrimas e há dias em que conseguimos caçar as palavras que voam junto com as borboletas e colocá-las "no papel". Assim, quem sabe, essa mensagem possa parar aonde vão as folhas do outono, as gotas de chuva ou as vós-borboletas da gente. 

Vovó Adamir 20/12/ 1921 - 06/06/2013

Comentários

Adriele disse…
Você realmente conseguiu me emocionar muito com suas doces palavras, expressivas e sinceras! Sei que somente Deus pode consolar e tocar nos corações! e tenho certeza que ele esta cuidando da sua família!!!! Grande abraço!
Bruna Matos disse…
Lindas palavras.
Vozinhas são lindas e deveriam ficar com a gente pra sempre mas elas precisam descansar. E lá de cima dá pra olhar a gente melhor ;)

Beijo e força sempre!
Unknown disse…
Nossa! Eu entendo perfeitamente a tua dor. E não podia ler mensagem mais linda que essa.
Eu perdi a minha vozinha e eh exatamente assim que a gente se sente. E te digo, elas estão com a gente, de uma forma ou de outra, nos acompanhando, nos ouvindo, fazendo parte de cada conquista nossa, mas um pouquinho mais distante. A gente nunca esquece aquele abaço apertado e o colo que só uma vó sabe dar;;. Elas estarão para sempre com a gente, no nosso coração e nas ótimas memórias que contruímos juntas.
Fica bem. E que ela descanse em paz.
Beijo no teu coração

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